Monday, July 30, 2007

 
CORPUS
textos
A SAGA DOS HOMENS-CUPIM

Ao observar os tratores que rasgavam a Transamazônica na década de 70, os índios inventaram um apelido mais que adequado para aqueles cidadãos sombrios,
de motosserra em punho, que abriam longas feridas na floresta. Chamaram-nos de homens-cupim. Nos [ultimos 100 anos, os cupins humanos devoraram florestas
com eficiência de assustar seus parentes invertebrados.
A marcha dos madeireiros começou no Sul do Brasil, alimentando-se das araucárias do Paraná e de Santa Catarina. Depois, atacou as reservas de jacarandá
do Espírito Santo e da Bahia e, na década de 70, chegou ao Norte para roer o mogno. Agora eles avançam sobre a última terra prometida, o Amazonas, aonde o
governo tenta atrair madereiros paraenses com promessa de isenção fiscal, vastas concessões de terrenos e até sociedade com o Estado em empresas exportadoras
de madeira.
Veja, 94. 8 nov.1994




JOÃO e MARIA
Chico Buarque de Holanda

Agora eu era o herói
E o meu cavalo só falava inglês
A noiva do cowboy
Era você, além das outras três
Eu enfrentava os batalhões
Os alemães e seus canhões
Guardava o meu bodoque
E ensaiava um rock para as matinês

Agora eu era o rei
Era o bedel e era também juiz
E pela minha lei
A gente era obrigado a ser feliz
E você era a princesa que eu quiz coroar
E era tão linda de se admirar
E andava nua pelo meu país

Não, não fuja não
Finja que agora eu era o seu brinquedo
Eu era o seu pião
O seu bicho preferido
Vem, me dê a mão
A gente agora já não tinha medo
No tempo da maldade
Acho que a gente nem tinha nascido

Agora era fatal
Que o faz-de-conta terminasse assim
Pra lá deste quintal era uma noite que não tem mais fim
Pois você sumiu no mundo sem me avisar
E agora eu era um louco a perguntar
O que é que a vida vai fazer de mim.

Sivuca et Chico Buarque de Holanda. São Paulo, Abril Educação, 1980. (Literatura Comentada)



APELO
Amanhã faz um mês que a Senhora está longe de casa. Primeiros dias, para dizer a verdade, não senti falta, bom chegar tarde, esquecido na conversa da esqui-
na. Não foi ausência por uma semana: o batom ainda no lenço, o prato na mesa por engano, a imagem de relance no espelho.
Com os dias, Senhora, o leite primeira vez coalhou. A notícia da sua perda veio aos poucos: a pilha de jornais ali no chão, ninguém os guardou debaixo
da escada. Toda a casa era um corredor deserto, e até o canário ficou mudo. Para não dar parte de fraco, ah, Senhora, fui beber com os amigos. Uma hora
da noite eles se iam e eu ficava só, sem o perdão de sua presença a todas as aflições do dia, com a última luz na varanda.
E comecei a sentir falta das pequenas brigas por causa do tempero da salada - meu jeito de querer bem. Acaso é saudade, Senhora? Às suas violetas,
na janela, não lhes poupei água e elas murcham. Não tenho botão na camisa, calço a meia furada. Que fim levou o saca-rolhas? Nenhum de nós sabe, sem
a Senhora, conversar com os outros: bocas raivosas mastigando. Venha para casa, Senhora, por favor.

Dalton Trevisan. Apelo. In:BOSI, Alfredo.ORG. O conto brasileiro contemporâneo. São Paulo, Cultrix/Edusp.1975. p.190



CONTO POPULAR

Era uma vez um escorpião que estava na beira de um rio, quando a vegetação da margem começou a queimar. Ele ficou desesperado, pois, se pulasse na água,
morreria afogado e, se permanecesse onde estava, morreria queimado. Nisso, viu um sapo que estava preparando-se para saltar no rio e, assim, livrar-se do
fogo. Pediu-lhe, então, que o transportasse nas costas para o outro lado. O sapo respondeu-lhe que não faria de jeito nenhum o que ele estava solicitando, porque
ele poderia dar-lhe uma ferroada, levando-o à morte por envenenamento. O escorpião retrucou que o sapo precisaria guiar-se pela lógica; ele não poderia dar-lhe
uma ferroada, pois, se o sapo morresse, ele também morreria, porque se afogaria. O sapo disse que o escorpião estava certo e concordou em levá-lo até a outra
margem. No meio do rio, o escorpião pica o sapo.l Este, sentindo a ação do veneno, vira-se para aquele e diz que só gostaria de entender os motivos que fizeram
que fizeram que ele o picasse, já que o ato era prejudicial também ao escorpião. Este, então, responde qaue simplesmente não podia negar a sua natureza.

- cada ser humano tem uma índole, uma propensão natural, e ela não mjuda, manifesta-se em todas as circunstâncias da vida, até mesmo quando essa manifestação
contraria o bom senso.

(Lições de texto: leitura e redação. Platão e Fiorin. 4.ed.São Paulo - Ática.


O CURURU
Tudo quieto, o primeiro cururu surgiu na margem, molhado, reluzente na semi-escuridão. Engoliu um mosquito: baixou a cabeçorra: tragou um cascudinho; mergulhou
de novo, e bum-bum! Soou uma nota soturna do concerto interrompido. Em poucos instantes, o barreiro ficou sonoro, como um convento de frades. Vozes roucas, foi-
não-foi, tãs=tãs, bum-bum, choros, esgoelamentos finos de rãs, acompanhamentos profunhdos de sapos, respondiam-se.
Os bichos aparecaim, mergulhavam, arrrastavam-se nas margens, abriam grandes círculos na flor d'água. (...)Daí a pouco, da bruta escuridão, surgiram dois
vagalumes. Um sapo cururu grelou-os e ficou deslumbrado, com os olhos esbugalhados, presos naquela boniteza luminosa. Os dois olhos fosforescentes se
aproximavam mais e mais, como dois pequenos hologotes na cabe;a triangular da serpente. O sapo não se movia, fasciando. Sem dúvida queria fugir; previa
o perigo, porque emudecera; mas ja não podia andar, imobilizado; os p;jps feiíssimos, agarrados aos olhos luminosos e bonitos como um pecado. Num bote
a cabeça triangular abocanhou a boca imiunda do batráquio. Ele não podia fugir àquele beijo. A boca fina do réptil arreganhou-se desmesuradamente;
envolveu o sapo até os olhos. Ele se baixava dócil entgregando-se à morte tentadora, apenas agitando docemente as patas sem provocar nenhuma reação
ao sacrifício. A barriga disforme e negra desaparecdeu na goela dilatada da cobra. E, num minuto, as perninhas do cururu lá se foram, ainda vivas,
para as entranhas famélicas. O coro imenso continuava sem dar fé do que aocntecia a um dos seus cantores.
(Jorge de Lima. Calunga : O anjo. 3.ed. Rio de Janeior, Agir. 1959. p.160-1)



O LOBO e o CORDEIRO
(fábula de La Fontaine)

Vamos mostrar que a razão do mais forte é sempre a melhor.
Um cordeiro matava a sede numa corrente de água pura, quanda chega um lobo cuja fome o levava a buscar caça.
- Que atrevimento é esse de sujar a água que estou bebendo? - diz enfurecido o loho. - Você será castigado por essa remeridade.
- Senhor - responde o cordeiro -, que Vossa Majestade não se encolerize e leve em conta que estou bebendo vinte passos mais abaixo que o Senhor.
Não posso, pois, sugar a água que está bebendo.
- Você a suja - diz o cruel animal. - Sei que você falou mal de mim no ano passado.
- Como eu poderia t^-lo feito, se não havia sequer nascido? - responde o cordeiro. - Eu ainda mamo.
- Se não foi você, foi seu irmão.
- Eu não tenho irmãos.
- Entào, foi alguém dos seus, porque todos vocês, inclusive pastores e cães, não me poupam. Disseram-me isso e, portanto, preciso vingar-me.
Sem fazer nenhuma outra forma de julgamento, o lobo pegou o cordeiro, estraçalhou-o e devorou-o.

La Fontaine .....(ver) p. 125. Platao e Fiorin. Lições de Texto)


A mãe do século ou, pelo barulho, do milênio
(Ruy Castro (Especial))

Nem Cristo foi tão esperado. Nem o bebê de Rosemary. Nem Louise, o primeiro bebê de proveta. Nem Dolly, a famosa ovelha-clone. Até mesmo Madonna
e Michael Jackson, que também foram mães há pouco tempo, conseguiram ser mais discretos. Com todo esse barulho, por ter mais o que dizer, perdi os imor-
tais dez minutos do Jornal Nacional de terça-feira, que registraram o primeiro banho, o primeiro choro, o primeiro bocejo e o primeiro espirro de Sasha,
a filha da Xuxa com um portador de sêmem. Mas não há de ser nada. A continuar nessa batida, ainda hei de ver o primeiro regurgito, o primeiro dedo na
tomada, o primeiro tombo no velocípede e a primeira má-criação de Sasha.
Sim, porque, de uma maneira ou de outra, tudo será exibido para os milhões de brasileiros que terão de continuar vivendo em função da filha de Xuxa.
(...)No mínimo, pela pressa com que telfonaram para Xuxa na maternidade, o presidente Ménem decretará feriado na Argentina e Ronaldinho terá mais
uma convulsão.
(...) Imagine se Xuxa resolver criá-la à base dos produtos que vive recomendando pela televisão às crianças brasileiras. Esgotado o leite materno,
teremos Sasha sendo alimentada com achocolatado Mágico da Arisco, goiabada da Arisco, maionese da Arisco, ketgchup da
Arisco, mostarda da Arisco e massa de tomate da Arisco. Não é uma previsão exagerada já que, neste exato momento, Sasha já deve estar usando a chupeta
da Xuxa, a mamadeira da Xuxa, o xampu da Xuxa, a melissinha de tricô da Xuxa e a maquiagem infantil da Xuxa, abrindo apenas uma exceção para a fralda
da Sasha, cujo comercial também já está no ar.

(Publicado no jornal O Estado de São Paulo, Caderno 2, de 1/8/1998. p. D20)


VALSINHA
Um dia ele chegou tão diferente
Do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a de um jeito muito mais quente
Do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto
Quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto
Pra seu grande espanto
Convidou-a pra rodar
Então ela se fez bonita
Como há muito tempo
Não queria ousar
O seu vestido decotado
Cheirando a guardado
De tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços
Como há muito tempo
Não se usava dar
E cheios de ternura e graça
Foram para a praça
E começaram a se abraçar
E aí dançaram tanta dança
Que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade
Que toda cidade
Se iluminou
E foram tantos beijos loucos
Tantos gritos roucos
Como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu em paz.

BUARQUE,Chico.In: BOLLE,Adélia, B. M.,org. Chico Buarque de Holanda.São Paulo: Abril Educação,1980. p.30-1.

GERIN,Júlia. Português - Educação de Jovens e Adultos - Ensino fundamental 5a. a 8a. séries - volume único. Curitiba: Educarte, 1997 p.245




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